quarta-feira, 2 de maio de 2012

Regionalização em Cabo Verde: Aspectos Económicos, Naturais e Institucionais (III)

 Por: Éder Marcos Oliveira*

C. Regionalização e Disparidades regionais

Pensar na regionalização como solução para por fim às disparidades regionais não tem fundamento. Muitas das disparidades que existem entre as diversas ilhas de Cabo Verde dependem de factores muito fortes que transcendem, em larga escala, o plano de intervenção político e administrativo. As ilhas são diferentes mas defendem o respeito mútuo.

Na esfera económica, a aplicação eficiente dos recursos com vista a criação de valor, leva a que se tenha em conta a existência de importantes economias de escala em certas actividades económicas. Nestes casos, é muito mais vantajoso concentrar a produção em determinados pontos do território nacional, em vez de ficar distribuída por diferentes regiões.

Assim, em Cabo Verde, as ilhas de São Vicente, a cidade do Mindelo onde existe o Porto Grande, e Santiago, com a cidade da Praia capital económica e administrativa do País, estão à frente, no que diz respeito aos progressos no plano dos transportes, infraestruturas e comunicações, dispondo de mais populações e de actividades económicas mais diversas.

Na base de um processo de causalidade circular, essas duas ilhas, conseguem atrair mais população das outras ilhas, e mais actividades, sem que o poder administrativo consiga fazer alguma coisa no sentido contrário.

Na verdade, muitas empresas preferem estar em São Vicente do em que Santo Antão, porque esta localização proporciona mais vantagens nas economias de escala e de aglomeração. O mercado é muito mais amplo e o Porto Grande serve-lhes de meio de escoamento dos excedentes para o mercado externo e de entrada das matérias-primas utilizadas no processo produtivo.

Defender esta ideia e dizer que o País deve regionalizar-se para gerar um crescimento mais equilibrado e sustentado, pode parecer aos olhos de muitos uma contradição mas não o é.
É preciso que as pessoas percebam, que a regionalização ao criar melhores condições nas restantes ilhas do arquipélago para a fixação da população vai atenuar o agravamento das disparidades regionais, mas pelas razões atrás expostas dificilmente as conseguirá eliminar. 

Só com a criação de um poder político a nível das regiões, com capacidade de actuação legitimada pelo voto popular, é que o povo das ilhas passará a dispor de um maior poder no acesso a mais investimentos públicos que por sua vez, se for correctamente aplicado, vai atrair mais investimentos privados e contribuir para atenuar as disparidades regionais.

D. Regionalização e Orçamento Público

A criação de impostos é uma capacidade que se deve manter apenas na esfera da Administração Central. No caso da Administração Central não delegar algumas das suas competências assim como recursos às entidades administrativas regionais, e se não impuserem restrições legais às capacidades de endividamento das regiões então, nestes casos, é de esperar que venham a ocorrer aumentos da carga fiscal e das despesas públicas.

No que se concerne à transferência das competências e dos recursos da Administração Central para a Administração Regional, é bem provável que alguma burocracia - vulgo apego ao poder - existente venha criar certos atritos no sentido de impedir a efectivação desses objectivos no plano da regionalização.
Quanto ao aumento das despesas públicas, é verdade que, com a regionalização passarão a existir autarquias regionais e serviços de apoio regional com mais encargos, principalmente em relação às despesas com as remunerações do pessoal. Contudo, temos que ser bastantes coerentes ao analisar este facto.
Com a criação de uma região por ilha o número de autarquias regionais será de nove (ou possivelmente dez 1), e o surgimento delas vai implicar a extinção de certos cargos nos planos da Administração Central e Municipal.

Por isso, é preciso ter em apreciação que, até certo ponto o aumento das despesas públicas vai ser compensado pela redução dos cargos na Administração Central, pelo que o resultado final não será tão significativo.

Antes de se questionar a regionalização com base no argumento do aumento das despesas públicas é preciso ter em atenção este balanço das remunerações do pessoal a mais e a menos que ela proporcionará. Além disso, não se pode descuidar do estudo de viabilidade económica da regionalização em Cabo Verde, confrontando os custos e os benefícios da regionalização em todos os domínios possíveis, tendo em atenção a evolução da economia cabo-verdiana nas duas situações possíveis, o antes e o depois da regionalização.

E. Regionalização e Unidade Nacional

Os cabo-verdianos são um povo que partilha da mesma identidade étnica e cultural, independentemente da sua origem ser a ilha A ou B. Sempre estiveram, e continuam empenhados no desenvolvimento do País como um todo. O bairrismo que outrora se fazia sentir, a separação visível entre “badios” e “sampadjudos” há muito que já não faz sentido, no meu ponto de vista.

Com a regionalização, numa perspectiva territorial ilha-região, não se pretende reacender esse bairrismo.
Nenhum autarca regional, por mais que quisesse, teria legitimidade para levar a cabo um plano de independência da sua região e duvido muito que conseguisse contar com o apoio da sua população neste sentido.

Todavia, se pelo contrário se optar por dividir o País em duas regiões, Barlavento e Sotavento, as coisas poderão não funcionar tão bem como no caso ilha-região. Isso só iria contribuir para gerar maior competição entre as duas grandes cidades do País e possivelmente levar os cabo-verdianos a diferenciarem-se entre si, o que a longo prazo poderia vir a colocar em causa a unidade nacional.

Na minha perspectiva, tendo em conta a trajectória actual do País, com o agravamento das disparidades entre vários grupos sociais e as suas diferentes regiões, o aumento da delinquência juvenil no meio urbano, assim como outros problemas de ordem social, temos muito mais factores que põem em causa a coesão e a unidade do País do que a tese de movimentos regionais “separatistas”, que não tem fundamento nem viabilidade num contexto de regionalização ilha-região.

Neste sentido, creio que a criação de autarquias regionais, se não ajudar para acabar com as disparidades, vai então amenizá-las, sem pôr em risco a coesão e a unidade do País.

Por outro lado, uma questão que merece uma certa análise, é saber se a regionalização vai trazer mais solidariedade inter-regional ou contribuir para uma maior concorrência entre as diversas regiões.
É claro que, a solidariedade inter-regional vai ter que existir principalmente por dois motivos: 1º o País vai continuar a ser um só; 2º as regiões vão se complementar umas as outras. Por exemplo, a ilha de Santo Antão, por ser uma ilha com um excelente potencial agrícola vai continuar a necessitar da ilha vizinha, São Vicente, para o escoamento dos seus excedentes.

É certo que a regionalização vai trazer um certo protagonismo político a nível regional que, por sua vez, vai nutrir a concorrência tanto entre as regiões, como entre as regiões e o governo central. As personalidades diferentes que se complementam.

A regionalização vai combater a actual concorrência desleal entre as regiões, que tem permitido algumas regiões gozarem de um maior acesso ao poder e de ter mais benefícios em detrimento das outras regiões, transformando-a numa concorrência assente numa maior democracia e transparência. 

F. Regionalização e Competividade Económica

A regionalização por si só vai contribuir para tornar a economia cabo-verdiana mais competitiva porque a transferência de poder e de meios para as autarquias locais, vai permitir que tenham mais capacidades para aproveitar de forma mais eficiente os recursos endógenos e que aumentem a fileira de produtos e serviços made in cabo verde, contribuindo assim para a diversificação da oferta nacional.
Não podemos ter um País a depender quase que exclusivamente do turismo, do sector dos serviços, da ajuda externa e das remessas dos emigrantes. Também é preciso apostar fortemente no sector primário com vista à criação de riqueza e emprego no meio rural e à produção de matérias-primas para o sector secundário que é de extrema importância para a industrialização do País.
A regionalização vai fomentar uma maior concertação estratégica e mais sinergias entre empresas, organismos estatais, universidades e institutos de I&DT(2), capazes de desenvolver projectos inovadores geradores de vantagens comparativas.

1 - Isto no caso de se considerar que a ilha de Santiago vai albergar duas regiões administrativas.
2 - Investigação e Desenvolvimento Tecnológico. 

Éder Marcos de Oliveira é Mestre em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.

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