domingo, 4 de março de 2012

“Entre as horas…” I : Tertúlia Crioula Portuense e a Democracia


Por: Adilson Semedo

Foi com um misto de satisfação e apreensão que recebemos o convite para participarmos no espaço de fomento de debate da «Tertúlia Crioula Portuense». Se é fácil explicar o porquê do sentimento de satisfação, é melindroso abordar o porquê da apreensão que advém do cuidado com que observamos o que se passa nos «espaços públicos digitais cabo-verdianos». Não julgamos ser demasiado afirmar que a racionalidade «emotivo-partidária» deturpa como excessiva frequência as considerações e análises que são apresentados nestes espaços.

«Tertúlia Crioula Portuense», segundo Nelson Carvalho num texto anterior, tem como objetivo a partilha do conhecimento e o reforço do pensamento crítico. Acrescentaríamos, subescrevendo este entendimento, que é um espaço de exercício da democracia, principalmente, porque privilegia, um aspeto fundamental da democracia, clássica ou moderna, que é a “cultura dialógica” (Fernandes 1997, 46).

Neste sentido, ajuizamos que este aspeto responde à muito costumeira questão, ou sugestão, que traz a tona o problema do que fazer com as conclusões das reflexões que saem dos encontros da Tertúlia, e que, de algum modo, reduzem a relevância desses encontros aos seus efeitos práticos. Defendemos que o primeiro efeito prático, embora impercetível, está intimamente ligado à participação, na medida em que participar é fazer uso, no sentido de praticar, da cultura dialógica. Julgamos ter a favor do nosso argumento o facto de que tudo na vida exige aprendizado e prática. A questão é: porque a democracia constituiria uma exceção?

No entanto, a nossa leitura seria ingénua se não descortinasse outras facetas que a «Tertúlia Crioula Portuense», também, resguarda em si. Enquanto um espaço social, que em termos de extensão transpõe-se da dimensão física para a virtual, é um espaço de poder, vale dizer, “um espaço de relações de força entre as diferentes espécies de capitais ou, mais precisamente, entre os agentes que são suficientemente providos de uma das diferentes espécies de capital (…) ” (Bourdieu 1997; 33). Entendamos capital como recurso e concordaremos que todos os seus participantes entram munidos de recursos (preferencialmente imateriais) e isso faz com que a «Tertúlia Crioula Portuense» emane e funcione a partir de diferenças.

 Ainda assim, consideramos, com algum exagero, que participar nas sessões da «Tertúlia Crioula Portuense» permite aos estudantes do Porto viajarem no tempo e descobrirem o sentido de fazer parte da «Ágora» (o espaço público por excelência). A nossa preocupação vai no sentido do reforço da vigilância que é necessário para que a «Tertúlia Crioula Portuense», enquanto «espaço de poder», não se torne um «espaço político». A democracia cabo-verdiana, algum dia, irá agradecer por isso.

Bibliografia Citada:
Bourdieu, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Oeiras: Celta Editora, 1997.
Fernandes, António Teixeira. A sociedade e o Estado: sociologia das formações políticas. Porto: Edições Afrontamento, 1997.

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